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Os quatro anos passados desde que me mudei do Funchal para Lisboa permitiram-me acompanhar a evolução de um dos nossos mais preponderantes sectores: o turismo. É inegável o contributo económico que a atividade traz para estas cidades; por exemplo, numa ilha com cerca de 250.000 habitantes, 1,2 milhões de turistas anuais é formidável. No entanto, haverá tal capacidade para acolher da melhor maneira quem nos procura e haver um ambiente harmonioso com quem já lá habita?

É inegável o “boom” turístico que Lisboa vem sofrendo desde há quatro anos. A subida nas taxas de ocupação e RevPar – rendimento por quarto disponível – resultaram numa valorização média de 9 pontos percentuais nas unidades hoteleiras lisboetas. Há também uma maior oferta da cidade quer em termos de restauração, alojamento e atrações (museus, miradouros ou jardins requalificados). O aparecimento de novas soluções de alojamento, como o Airbnb, e o crescimento do alojamento local são também exemplos. Cabe-me, no entanto, denotar que estas ofertas de alojamento trazem diversos inconvenientes. O aumento no custo médio de habitação é evidente. Se possuir um imóvel em que posso obter o mesmo rendimento num aluguer de curta duração em comparação a um de longa duração, a minha escolha irá naturalmente recair sobre a primeira opção. Para travar esta escalada de preços, cidades como a de Berlim proibiram semelhantes plataformas.

Outro ponto para mim central é a qualidade do produto que oferecemos. É inegável o valor do património cultural e natural dos nossos destinos. Por outro lado, há todo um conjunto de aspetos complementares à experiência de um turista. Os problemas em relação aos transportes públicos são sobejamente conhecidos (as fotos atuais do metro de Lisboa são arrepiantes). Na Madeira, problemas com transportes públicos não faltam, havendo um enorme recurso dos visitantes ao sector privado de aluguer de viaturas. Em relação à qualidade do serviço, e focando especialmente na Madeira, é raro, por exemplo, sair de um restaurante completamente satisfeito com o serviço prestado. À falta de vontade em prestar um completo serviço por parte de quem nos serve junta-se muitas vezes a falta de formação qualificada. Em cidades como a de Londres, a inclusão de uma taxa de serviço opcional dá ao cliente o poder de influenciar diretamente o rendimento de quem lhe serve, havendo por isso o incentivo para minimizar defeitos. O investimento efetuado em infraestruturas contrasta com o que é feito na qualificação da mão de obra que falha muitas vezes em se adaptar às novas realidades.  Há também uma cultura muito enraizada das “tourist traps”. O pensamento do “vem de fora está habituado a pagar mais” é comum. Independentemente de sermos turistas ou não, não beneficiaríamos todos de uma maior exigência no que toca a melhor servir quem nos procura? Seria tão descabido um maior incentivo fiscal dado ao empregador para que investisse na formação dos seus empregados? É que a grande virtude de um turista é também o seu ponto menos positivo: ele desloca-se (e que o diga a Madeira aquando da intempérie de 2010). E, se todos os eventos internacionais que as cidades recebem (como o Web Summit) são excelentes para a promoção dos destinos, são também como facas de dois gumes: se tudo correr bem, o destino sai favorecido e as pessoas voltam; se algo correr mal, as repercussões são nefastas.

Article published on November 13th, 2016 · Jornal de Negócios

Francisco Franco Nunes


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