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 Era uma vez um banco secular português. Extraordinariamente sólido durante a crise, boa reputação depois da mesma e um aumento de capital mais do que totalmente subscrito em junho do ano passado.

 

 É costume em finanças dizer-se, que o que é bom demais para ser verdade, é bom demais para ser verdade. Ou melhor, era. Há agora espaço para a estabilização do setor, até lá muita tinta correrá, já que os principais candidatos fazem por manter todo o setor entretido.

Surgiu então o Novo Banco, e entre todas as dúvidas, uma das primeiras que o Banco de Portugal, muito mal na figura, ousou esclarecer foi que não constariam no seu passivo quaisquer dívidas referentes a papel comercial do GES. Uma tentativa de maximizar o seu valor para uma venda a curto prazo, mas que a CMVM vem agora contestar. Uma decisão, que manchou a imagem do banco logo à partida, incentivando os clientes a questionarem a solidez do mesmo e a um escoamento de depósitos, travados apenas com o forte aumento das taxas de juro oferecidas nos depósitos a prazo. O banco público foi de resto quem mais beneficiou com toda esta situação, com um excecional número de novos depósitos na CGD e fundos na Caixagest.

Sem dúvida que não era necessário o colapso do BES para espertar o panorama bancário nacional. Só no mês de março, houve espaço para mais um caricato surtido de polémicas. Primeiro, a recusa por parte da banca de refletir nos juros variáveis cobradas ao crédito concedido, uma taxa Euribor negativa, que o BdP veio já contrapor. Seguiu-se então o uso de créditos fiscais, sob a forma de impostos diferidos, para efeitos de rácios de capital, transformando assim perdas de um ano em ativos do seguinte. Situação que está já a ser investigada pela Comissão Europeia. Tudo isto enquanto decorria a comissão parlamentar de inquérito, terminando no dia 16 de abril com um relatório de 380 páginas, de onde ninguém parece ter saído incólume.

Aproxima-se agora o momento da tão desejada venda do Novo Banco. Propostas não faltaram, embora dos originais 17, apenas 5 tenham passado à terceira fase, nenhum dos quais português. Embora que afastado, por ter apresentado um valor demasiado baixo na proposta não vinculativa, o BPI tinha até dia 17 de abril para apresentar recurso da decisão do BdP, sendo que se encontra a braços com uma OPA, uma proposta de fusão e um complexo braço de ferro entre os seus dois maiores acionistas.

O grupo espanhol CaixaBank, que detém 44,9% do BPI, lançou em fevereiro uma OPA sobre a totalidade do capital. Objetivo? Fundir o BPI com o Novo Banco, superando assim a CGD como maior banco português, reduzindo custos e criando sinergias para um megaprojeto ibérico liderado pelo banco Catalão La Caixa. A OPA tinha duas ressalvas, o baixo preço, 1,329€ por ação, e uma cláusula para a eliminação do limite de 20% dos direitos de votos do grupo espanhol. Isabel dos Santos, segunda maior acionista do banco com 18,6%, opôs-se. Porquê? Porque no projeto espanhol não se encontra o Banco Fomento Angola, detido em 50,1% pelo BPI, o seu quinto maior ativo. De acordo com as novas normas europeias, o BFA, considerada posição de elevado risco, obrigará a que o banco português a contabilize a 100% para efeitos de rácio de capital, situação não desejada pelo CaixaBank, que quer vender o ativo. Isabel dos Santos, que detém os restantes 49,9% do BFA, através da Unitel, opõe-se à estratégia dos espanhóis, propondo como alternativa uma fusão com o BCP, onde a Sonangol é acionista com quase 20%. Passados 9 anos um Millenium BPI volta a estar em cima da mesa. Ora estando o CaixaBank, pouco interessado no projeto angolano, apenas disposto a apoiar a compra do Novo Banco se a sua OPA for a avante, o mais provável é que pela primeira vez se quebre o gelo entre o BCP e BPI, o que criaria o maior banco português.

A verdade é que o setor bancário português necessita de consolidação, numa altura em que as baixas taxas de juro vieram para ficar, e 4 dos 5 grandes bancos apresentaram prejuízos. Em Portugal há 58 balcões por 100.000 habitantes, na Alemanha 15. Das 5 propostas feitas a preferida pelos trabalhadores é a chinesa, que pelo menos desde já não compromete postos de trabalho. E a julgar pelo montante oferecido o mais provável é que mais capital chinês se instale por cá. Não obstante, o contribuinte português provavelmente financiará parte do fundo de resolução, através da CGD, em mais um estimulante capítulo da história da banca em Portugal, que apesar do enredo enovelado, começa a ter finais previsíveis.

Article published on April 20th, 2015 · Jornal de Negócios

Pedro Marques


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