Professional Picture2São vários os casos de países a alterar rumos políticos por causa dos mercados financeiros. Faz sentido?

Apontados como potenciadores de prosperidade por uns, diabolizados por outros, a verdade é que os mercados financeiros fazem parte da vida de qualquer país. Quando olhamos para países à nossa volta, incluindo nós próprios, e encontramos inúmeros casos de políticas influenciadas pelos mercados financeiros faz sentido colocar a pergunta que dá título a este artigo: mas afinal quem manda? Democracia ou mercados? São as políticas influenciadas pelos mercados ou são os comportamentos dos mercados simples consequências das ações políticas e resultados económicos dos países?

Grécia, Portugal e Espanha, devido a altas taxas de juro sobre a dívida soberana, e Angola ou Rússia, por causa do baixo preço do petróleo, são exemplos de países cujas economias sofreram, sofrem e porventura continuarão a sofrer devido às condições de mercado. Todos estes países foram forçados a tomar medidas de contenção: austeridade. Foram os mercados maus com estes países? Tiveram azar? Penso que não e passo a explicar.

Em primeiro lugar, há que desmistificar os mercados. Os mercados financeiros são feitos de pessoas espalhadas pelo mundo e, por isso, por trás de todos os seus movimentos, bruscos ou suaves, estão decisões humanas. É exatamente pelo facto de serem agentes económicos internacionais a definir preços de mercado que a questão ganha relevância. Faz sentido deixar esses agentes influenciar as políticas nacionais de um estado soberano?

A primeira resposta óbvia é que não, não faz sentido pois parece tratar-se de perda de soberania. Em democracia deviam ser os cidadãos os principais atores no plano político e económico, mas há que realçar que não foram os mercados que se apoderaram dessa tremenda influência. As dívidas dos países do Sul da Europa não subiram brutalmente por força dos mercados financeiros sem uma decisão humana política nacional. Os países que hoje em dia sofrem com a queda do preço do petróleo não desenvolveram esta dependência por decreto dos mercados financeiros. E não se ouviram protestos contra o poder dos mercados enquanto as taxas de juro eram baixas ou, para o segundo caso desta análise, quando os fluxos de dinheiro provenientes do petróleo permitiam governar sem sobressaltos. Foi durante este tempo que o problema que estes países enfrentam hoje foi criado. Foram decisões políticas que colocaram na mão dos credores a influência que hoje têm pelo facto de estes países terem dívidas elevadas.

O cerne do problema é que não se pode querer o melhor de dois mundos: apoiar o crescimento económico no endividamento externo e querer desligar a simbiose entre os mercados e as economias em épocas de tormentas. Creio não estar longe da verdade ao afirmar que é por existir esta relação que os mercados passaram a ser uma força que influencia políticas e decisões em ambas as situações e que faz por isso sentido terem o papel que têm hoje em dia. Esse papel tem mais ou menos influência consoante a prudência dos governos nacionais como em qualquer instituição com credores. Quanto maior for o peso da dívida, maior será a probabilidade de os credores virem a ter um papel ativo nas decisões como aconteceu com Portugal, Grécia, Irlanda e de alguma forma Espanha e Itália.

Não me parece que as respostas às perguntas iniciais sejam perentórias. Não creio que nem os mercados nem a democracia se sobreponham um ao outro. Os mercados são uma parte da democracia a partir do momento em que uma economia é financiada externamente ou quando depende em grande parte de preços de mercado. O seu peso não é obra do acaso e varia conforme a dependência que essas nações tenham dos próprios mercados. Por cá, nos últimos meses pós-troika o tema dissipou-se mas o peso da dívida é ainda muito elevado para se dizer que a influência dos mercados financeiros diminuiu. O importante é aprender a lição.

 

Article published on February 22nd, 2015 · Jornal de Negócios

João M. Cunha


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