Mariana Coelho 1Não se verificando uma intervenção do BCE a nível de compra da dívida pública, é possível que os mercados não estejam tão recetivos à compra da, ainda especulativa, dívida portuguesa.

Perto do final anunciado para o programa de ajustamento português, as opiniões dividiram-se entre a chamada “saída limpa” e a saída apoiada numa linha de crédito cautelar. A primeira opção implica que teremos de fazer face às necessidades de financiamento, pelo menos maioritariamente, no mercado, sujeitos à procura existente. Uma saída apoiada por uma linha de crédito de reserva daria a Portugal um plano alternativo, com apoio, no caso de os mercados não manterem o atual otimismo face à dívida lusa. Como desvantagem, o cautelar impõe condições, que vários economistas consideram, no entanto, que seriam bastante flexíveis, dada a necessidade da União Europeia se legitimar e atendendo à melhoria das condições económicas na Europa.

A saída “limpa” veio a afirmar-se como forte possibilidade essencialmente devido aos juros baixos com que a dívida portuguesa tem sido transacionada e ao facto de o país estar já a conseguir assegurar financiamento para este ano. No entanto, o apetite por dívida de países fragilizados – Grécia, Espanha e Portugal – baseia-se em dois fatores. Em primeiro lugar, e embora o seu efeito real na economia seja ainda discutível, pela melhoria a nível dos indicadores económicos. E, em segundo lugar, pela expectativa face a uma intervenção não convencional do BCE. Esta seria resultado de receios face a deflação na zona euro, prejudicial para o funcionamento saudável da economia.

A avidez dos investidores internacionais, que tem permitido a venda de dívida portuguesa, espanhola e grega a taxas reduzidas, baseia-se em larga escala na expectativa desta intervenção por via da compra de títulos da dívida pública, seguindo o modelo da Reserva Federal americana. No entanto, a levar a cabo uma injeção de liquidez, o BCE poderá fazê-lo de forma distinta, estando até a ser equacionada a compra de dívida privada dadas as dificuldades em obter consenso acerca da compra de dívida pública. A compra de dívida pública poderia até ser de todos os países, proporcionalmente ao seu peso na economia, e não focada nos países em maiores dificuldades. Em conclusão, não existem certezas quanto ao impacto que esta tomada de ação pelo BCE teria, sabendo-se ainda que, a ser concretizada, levará bastante tempo.

O próprio ministro das Finanças irlandês afirma que a opção pela saída “limpa” resultou das condições colocadas para a obtenção de um plano cautelar, nomeadamente pela Finlândia, cenário que poderá repetir-se com Portugal. No entanto, estando os juros da dívida pública portuguesa extremamente baixos em larga escala devido à expectativa de intervenção por parte do BCE, será prudente partir para uma saída “limpa”, sem qualquer rede de proteção, com base em juros que resultam maioritariamente de uma conjuntura favorável no mercado de dívida pública? Não se verificando uma intervenção do BCE a nível de compra da dívida pública, é possível que os mercados não estejam tão recetivos à compra da, ainda especulativa, dívida portuguesa.

Estaremos a legitimar esta decisão com base em pressupostos, em parte, circunstanciais e a candidatar-nos a um problema maior do que aquele que trabalhamos por ultrapassar, por querermos fazer “depressa e bem”?

Article published on April 27th, 2014 · Jornal de Negócios

Mariana Coelho · Nova Investment Club


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