Bernardo Câncio 2Seria importante continuar a ter em conta o real estado do país nesta nova fase de maior folga financeira.

Depois de um bull market quase ininterrupto de mais de cinco anos nos EUA e desde 2012 na Europa, com os índices de volatilidade e as taxas de juro em mínimos históricos, os mercados começam a preocupar-se com o risco de complacência por parte dos investidores. No fundo, o facto de os mercados estarem a subir calmamente, haver fácil acesso a crédito e os investidores se relaxarem quanto ao risco de mercado cria um cenário propício ao aparecimento de bolhas especulativas.

Na minha opinião, em Portugal também enfrentamos um risco de complacência, mas este diferente do que se vive nos mercados internacionais. Nesta altura, o Estado Português consegue financiar-se no mercado obrigacionista a preços equivalentes aos praticados em 2005, bem abaixo daquilo a que nos temos habituado nos últimos anos de crise. Grande parte da recuperação experienciada desde 2010 deve-se ao esforço de reforma feito pelo país; mas outra parte, também ela significativa, ao aumento geral de liquidez providenciado pelo BCE.

À medida que um programa de compra de activos “estilo FED” se aproxima da realidade, os problemas financeiros do Estado parecem dissipar-se (a última tranche do empréstimo concedido pela troika chegou mesmo a ser dispensada). No entanto, seria importante continuar a ter em conta o real estado do país nesta nova fase de maior folga financeira. É natural que a pressão política para reformas estruturais se dissipe em conjunto com os problemas financeiros do Estado, mas era fulcral que a vontade para tal se mantivesse.

Sem dúvida que fizemos fortes progressos desde o início da crise, mas tornarmo-nos complacentes com a actual situação do país, só porque já conseguimos aceder aos mercados a bons preços, pode gerar uma repetida situação de crise no médio prazo (pequeno “déjà vu” 1977-83). A complacência pode não ter impacto negativo imediato, mas com certeza nos deixará mais fragilizados numa futura situação de stress. Não implica isto que algumas das medidas tomadas sob a pressão  sentida durante estes últimos  quatro anos não devam ser revistas, nomeadamente o alto nível de impostos (sem esquecer a disciplina orçamental).  No entanto, são várias as situações em relação às quais não nos devemos relaxar: o  ainda muito alto nível de dívida pública nacional, o complicado sistema de justiça/burocrático que insiste em repelir potenciais investidores, a ineficiência de outros serviços prestados pelo Estado, o ainda frágil estado de parte da banca, entre outras.

Temos portanto nos próximos tempos (provavelmente curtos dada a incerteza que se vive) a oportunidade, dado o alívio financeiro, de atacar pontos que têm efectivamente afectado a competitividade da nossa economia. A complacência pode ser confortável e politicamente conveniente (principalmente no que toca a disciplina orçamental), mas mais uma vez, será exponencialmente desconfortável em nova situação de stress.

Article published on June 22nd, 2014 · Jornal de Negócios

Bernardo Câncio · Nova Investment Club


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