Diogo SassettiFoi há quase dois anos que o Médio Oriente acordou para uma nova era. As aspirações de povos inteiros em renovar as suas elites políticas e de transformar os seus padrões de vida espalharam-se como uma doença infecciosa, tombando regimes do Shaara à Arábia.

Foi há quase dois anos que o Médio Oriente acordou para uma nova era. As aspirações de povos inteiros em renovar as suas elites políticas e de transformar os seus padrões de vida espalharam-se como uma doença infecciosa, tombando regimes do Shaara à Arábia.

Ben Ali está exilado, Mubarack foi condenado, Gadaffi assassinado e Al-Assad corre o risco de ver a Síria escorregar-lhe pelos dedos. Mas os países dos quais estes presidentes se exoneraram estão ainda a anos-luz de se tornarem a utopia pela qual os seus cidadãos tanto têm lutado.

Tal como o título sugere, mesmo em alturas de renovação, como a Primavera, existe sempre o perigo latente de surgirem efeitos secundários indesejados e de facto, o preço destas convulsões tem sido muito elevado. Na Líbia, a extracção de crude ainda não foi retomada por completo e enquanto a libra síria já se desvalorizou para um sexto dos seus níveis de 2010, o número de refugiados sírios já ascende aos quatro milhões. A inflação e as taxas de desemprego têm disparado um pouco por toda a região, mas de longe a mais negra das estatísticas é o número de mortos – os maiores banhos de sangue foram seguramente na Líbia e Síria onde conjuntamente já se perderam mais de 150.000 vidas.

Esta tem sido uma revolução como nenhuma outra por várias razões. Em primeiro lugar, e pela primeira vez na História, qualquer cidadão ligado à internet pode saber em tempo real o que se passa sem barreiras, censura ou atrasos; noticias de bombardeamentos, ofensivas militares e convocações para manifestações são feitas a todos, instantaneamente – poucos são os episódios que escapam a um tweet ou à lente de um smartphone. Em segundo lugar, parece ter-se desvanecido uma mobilização política, virada para uma verdadeira transformação social, económica e estatal. Ao invés, as reivindicações dos protestantes têm um carácter mais egocêntrico, centrado no alcance de liberdades individuais.

E a que custo podemos exigir a democracia noutros povos? E até que ponto estarão todos os países preparados para a acolher? São perguntas perigosas, mas merecem a nossa reflexão. Só quase seis anos depois da tomada da Bastilha no século XVIII é que apareceu Napoleão para pôr França de volta nos eixos. E mesmo que este não seja o melhor exemplo de um democrata, ilustra de forma eficaz a ideia de que uma transição política estrutural não se faz de um dia para o outro. E talvez não seja necessário ir tão longe no tempo; a bagunça do início da nossa Segunda República não foi propriamente uma era dourada da nossa História.

Aos meus olhos, considero ser prematuro aferir desde já o fracasso da Primavera Árabe, mesmo sabendo que a paz não será um dado adquirido nos próximos tempos. Seja como for uma coisa parece ser certa, os últimos dois anos merecerão um lugar nos livros de História das próximas gerações.

Article published on December 9th, 2013 · Jornal de Negócios

Diogo Sassetti · Nova Investment Club

 


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